Inteligência – do latim intelligentia – refere-se à capacidade de compreender, interpretar realidades, discernir entre diferentes contextos e estabelecer conexões entre eles. Em um sentido mais amplo, pode ser entendida como a habilidade de desenvolver soluções ou criar algo novo. No âmbito filosófico, a inteligência é frequentemente associada à capacidade de pensar, refletir, compreender, julgar e tomar decisões (cf. Nicola Abbagnano, “Intelecto”, São Paulo, 1970, pp. 442-445). A inteligência artificial (IA), por sua vez é definida por John McCarthynos nos seguintes termos: «tornar uma máquina capaz de exibir comportamentos que seriam chamados de inteligentes se fossem realizados por um ser humano» (J. McCarthy, A Proposal for the Dartmouth Summer Research Project on Artificial Intelligence (31 de agosto de 1955), <http://wwwformal.stanford.edu/jmc/history/dartmouth/dartmouth.html>, apud Dicastério para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Educação e Cultura, Antiqua et nova, 28/012025, n. 7).
No dia 28 de janeiro de 2025, o Dicastério para a Doutrina da Fé e o Dicastério para a Educação e Cultura publicaram uma nota conjunta sobre a inteligência artificial, intitulada Antiqua et Nova, ou seja, “a Inteligência Antiga e Nova”. O documento destaca, em uma abordagem ética e antropológica, em um primeiro momento, que a inteligência é um aspecto fundamental do ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27). Por isso, deve ser cultivada e educada para ser utilizada com responsabilidade, não apenas em benefício da humanidade, mas também em prol de toda a criação divina (cf. Antiqua et Nova, n. 1).
«O Senhor deu aos homens a ciência para que pudessem glorificá-lo por causa das maravilhas dele. […] Assim, não cessa a atividade de Deus, nem a habilidade dos filhos de Adão» (Eclo 38, 6.8). À luz do desenvolvimento humano e da Sagrada Escritura, a Igreja apoia e encoraja o progresso da ciência em seus diversos campos, visando ao desenvolvimento da criação divina e à humanização da existência do ser humano (cf. Gaudium et Spes, n. 38). O ser humano, enquanto criatura racional e espiritual, é chamado a viver de forma equilibrada essas duas dimensões, como ressalta João Paulo II em 1998 na epígrafe de Fides et Ratio: «A fé e a razão (fides et ratio) constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que, conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf. Ex 33, 18; Sl 27[26], 8-9; 63[62], 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2)».
A inteligência humana abrange a pessoa em sua totalidade, envolvendo o intelecto, o corpo, as emoções e os sentimentos. Por meio dessas dimensões, o ser humano busca compreender a si mesmo e o mundo que o cerca, utilizando-se da reflexão e da capacidade de dar significado às suas experiências. Já IA, por outro lado, possui um caráter essencialmente funcional e lógico-matemático. Ela não “pensa” no sentido humano do termo, mas executa tarefas com base em algoritmos e dados predefinidos. Diante desse quadro, podemos ler em Antiqua et Nova n. 35 que: «o próprio uso da palavra ‘inteligência’ em referência à IA é enganoso, pois pode negligenciar o que há de mais precioso na pessoa humana. A partir dessa perspectiva, a IA não deve ser vista como uma forma artificial de inteligência, mas como um de seus produtos». Pois, pela IA se projetou máquinas e aparelhos de computação capazes de resolver tarefas e agrupar informação que estão associadas a dimensão do intelecto humano. Muitas vezes, a busca traz informações com uma mera aparência de veracidade, cabendo à inteligência humana discernir e verificar se o conteúdo obtido corresponde ou não à realidade. Dessa forma, a IA facilita o acesso rápido a um vasto volume de informações, mas exige do ser humano um esforço ainda maior para avaliar criticamente a veracidade e a confiabilidade desses dados (cf. Antiqua et Nova, nn. 9-29).
A antropologia cristã e a ética são pilares fundamentais para compreender as implicações da IA, que é uma tecnologia que busca imitar a inteligência humana que a desenvolveu. A IA é capaz de produzir textos, imagens e outros conteúdos semelhantes aos gerados pelo ser humano, além de ser projetada para “aprender” e oferecer soluções autônomas, muitas vezes não previstas por seus programadores. Essa pseudo-autonomia pode levar a criação e sugestão de questões nem sempre éticas ou previamente pensadas pelo ser humano, o que acaba por levar o próprio homem a questionar sua identidade, seu ser e seu papel no mundo em que vive. Diante desse cenário, o uso da inteligência artificial deve ser guiado por princípios éticos claros, a fim de evitar danos à sociedade e ao meio ambiente.
A IA deve ser um instrumento que respeite a dignidade humana, promovendo o crescimento individual e coletivo na perspectiva do bem comum. Esse bem comum, conforme ensina o Pontifício Conselho “justiça e paz”, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 2025, nn. 164-167), deriva da dignidade intrínseca das pessoas e deve direcionar-se ao desenvolvimento integral e ao aperfeiçoamento da justiça e da paz. A reflexão ética, aliada à antropologia cristã, oferece um horizonte de valores que pode orientar o desenvolvimento e a aplicação dessa tecnologia. Esse horizonte garante que a IA sirva ao ser humano, e não o subjugue, preservando assim a essência e a integridade da vida humana (cf. Antiqua et Nova, nn. 3-6).
Assim, a chamada IA deve estar a serviço do desenvolvimento da inteligência humana, e não ser sua concorrente ou substituta. Estabelecer uma equivalência entre a IA e a inteligência humana pode levar a uma visão funcionalista do ser humano, em que ele é valorizado apenas por aquilo que produz. Essa perspectiva é equivocada, pois reduz o valor da pessoa à sua capacidade produtiva, tornando descartáveis aqueles que não se enquadram nesse critério. No entanto, o ser humano possui dignidade intrínseca, ou seja, ele vale por si mesmo, independentemente do que produz. Por isso, a inteligência artificial deve ser utilizada de forma ética, sempre respeitando a dignidade humana. Ela deve ser um instrumento que auxilie e potencialize as capacidades humanas, sem jamais substituí-las ou desconsiderá-las (cf. Antiqua et Nova (nn. 30-43).
Enfim, para nós, Cavanis, que atuamos na área da educação, é fundamental estudar e compreender essa nova tecnologia. Esse conhecimento nos permitirá orientar a nós mesmos e às pessoas com as quais desenvolvemos nosso trabalho pastoral, assistencial e educacional, para que utilizem a AI com critérios éticos e consciência crítica. Dessa forma, poderemos empregar essa ferramenta de modo a promover o desenvolvimento integral do ser humano e um mundo mais justo e solidário.
Fraternalmente,
Padre Rogério Diesel, CSCh – Superior provincial